Thaís Dourado

E agora mais velhos. Antigos, ouso dizer, anos vividos de lembranças, falta de coragem de voltar atrás, um mundo totalmente diferente nas mãos e à sua frente. Mas agora eram eles, Lylja e Andrew, um só, e outro só, e juntos como sempre e para sempre. E de volta àquela casa com cheiro de coisas antigas, o cheiro de páginas amareladas de livros há muito lidos e relidos incontáveis vezes. O papel de parede com flores distribuídas por acaso, meio descolado, um vaso remendado, a janela central. Quadros, molduras, um ar fresco adentrando a casa, Andrew olha para o pé-de-maracujá carregado de flores e um sol lindo, o céu azul-anil. Lylja chega com uma xícara de café e um maço de cigarros.

_ Vamos lá fora.

E tinham tanto para falar, mas não queriam saber. Andrew já não fazia mais questão de palavras. Os dois sentados no banco úmido da varanda curtiam a ausência, a locomoção que o vento fraco possibilitava ao ouvir-se apenas seu sopro. O barulho do isqueiro, longe, quebra o silêncio.

_ Você fica muito bem de barba.

_ E você fica muito bem com essa blusa verde.

E eles riram juntos, uma risada gostosa um tanto primaveril. Café, um livro.

_ Esse eu trouxe de Salzburg para você. Conta a história de um casal que se conhecia apenas por cartas, mas eram apaixonados um pelo outro. A distância, fator marcante na obra, acaba por apagar e acender alternadamente essa paixão à medida que param de se comunicar, mas a saudade é grande que vencem o orgulho e voltam a comunicar-se. O que acontece é que o mesmo que o jovem escreve nas cartas para a moça ele diz para outras. Mas no fim... Bom, o resto você pode saber por si só.

Era um livro novo, ainda embalado, com um papel transparente que dava para ver apenas a capa, dura que luzia. Lylja gostava mesmo era de livros velhos, com cheiro de velharia mesmo e Andrew bem sabia disso, mas só tinha encontrado um novo.

_ Você certamente deve estar com muita vontade de guardar esse livro até ele ficar amarelado só para, então, lê-lo, imagino. Mas se você apenas passar os olhos pela primeira página garanto que ele se tornará um objeto de repulsão de sua prateleira e de atração de suas retinas.

_ Olha só o que dizes! Eu posso não querer mais ver-te de tão empolgada na leitura deste.

_ Ah, aí então você não precisa se preocupar, eu entenderia.

_ Eu acho que você deveria entender, afinal, eu não demoraria cinco anos.

Lylja sorriu, Andrew também, ambos sinceros, uma vez que já tinham superado essa fase de dúvidas e curiosidades à respeito desse tempo todo que ficaram separados. Porém, na verdade, nem tinham passado por ela - pularam-na.

_ Promete? - Andrew sorri lindamente e estende o livro ainda embrulhado.

_ Prometo!

E Lylja rasga o papel transparente que envolvia-o e pode, enfim, ver o título.

_ "Mentiras Convencidas"... Interessante.

E deu um abraço longo e um beijo estalado no companheiro. Andrew disse que pegaria outra xícara de café na cozinha, apagou o cigarro e foi caminhando pelo chão de pedras ásperas. Lylja olhou para ele de costas e voltou-se para o livro.

Na primeira página, que só continha o título, havia a dedicatória escrita em caneta preta tinteira.

"A minha luta é dura e regresso

com os olhos cansados

às vezes por ver

que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso

sobe ao céu a procurar-me

e abre-me todas

as portas da vida.

Meu amor, nos momentos

mais escuros solta

o teu riso e se de súbito

vires que o meu sangue mancha

as pedras da rua,

ri, porque o teu riso

será para as minhas mãos

como uma espada fresca."

_ Neruda... - sussurou sentido um afago no peito.

Repentinamente, soa um barulho de queda e um gemido. Lylja assustada olha para trás: xícara quebrada, café derramado no chão, Andrew caído. Ela corre para dentro, chama a ambulância que chega rápido.