Thaís Dourado
Desde aquele dia na Music'n Mind não vejo Andrew. Hoje ele embarcou para Salzburg, saberia disso se eu não tivesse conversado com seu professor de filosofia esta tarde, que não faz idéia se e quando ele retorna. Diz que foi a passeio, somente. Escrevo hoje, muito frio, na saudade do futuro.
Ele não me contou o que tinha para contar. Nunca mais nos vimos. Não tenho nada a dizer à respeito. Só que sinto falta dele.
Ontem saímos, eu e uns rostos sem importância, para um bar e ficamos até hoje, às 5. Fiquei nem um minuto sequer sem pensar em Andrew. Se ele estivesse lá, não consco, comigo, minha noite teria sido, no mínimo, muito boa. Mas ele nõ estava, que pude eu fazer? Beber.
E aquele álcool descia minha goela abaixo como um coquetel de lâminas. Faz um mês que eu não faço. Faço nada além de ler. Me afogo em romances, aspirando que aquilo se passasse comigo. Não, nunca. Nem com Andrew nem com ninguém.
Me amigo, meu melhor - o melhor de mim. O único que conhece meu eu mais sombrio, meus pecados, minhas virtudes. Meus medos - poucos - ele conhece e eu reconheço só à ele.
Todos os dias passam lentos e eu fiquei novamente sem cigarros. O frio, céu nublado, às vezes chove um pouco, a cidade lacrimeja - acho tudo bonito e me conforta essa paisagem.
Vou ficando por aqui, sozinha mesmo, até que surja algo menos desinteressante nessa existência minha.

Lylja.
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Notas do autor
Escrever em primeira pessoa é mais fácil, a melhor saída pra quem está com preguiça de imaginação. Não sei que destino terão meus personagens, aceito opniões - ou não. O livro de comentário está aí para isso. No mais, eu só não queria deixar meus fantasmas-leitores sem algo pra ler. Não sei se continuarei com isso.

Thaís Dourado.
Thaís Dourado
Algum dia desses tantos que se passaram, desde que vim morar nesta cidade, não foram tão interessantes quanto essa última semana. Em um aspecto um tanto diferente dos que costumam deixar as pessoas assim, felizes, intrigadas. Então, sem mais rodeios, vou contar o caso.
Estava eu, cansada de mais um dia cheio no México (quem sabe sabe), com a cabeça bem cheia de coisas como quantos mols tem em 42 gramas de hidrogênio, já que sábado eu teria uma avaliação de química, a mesma química que me deixa louca - no pior sentido da expressão.
Atravessei a avenida, quase fui atropelada por uma gurizinho de, no máximo, 16 anos, num carro rebaixado e com um funk estrindentemente alto - mas isso nem é tão relevante. Seguindo a ordem cronológica dos fatos, cheguei na porta da minha casa. Tudo escuro. Toquei o interfone, atenderam. "É a Thaís", eu disse. Abriram. Quando coloquei a mão no portão cinza, um tanto gelado, deparei-me com um monstro.
Era uma gigantesca esperança. Aquele inseto dos milhares de zilhões que existem nesse país, nesse planeta, nessa galáxia, e em outras. Nunca fui fã de insetos, costumo esmagá-los antes de pensar nos benefícios que trazem para a humanidade. Fazem um barulho irritante. Então, fiquei parada olhando para "aquilo" tão verde e menor que as esperanças normais. Deduzi que era um bebê-esperança. Dane-se, eles não fazem zoadas agonizantes enquanto morrem, não faria diferença pra minha consciência se eu matasse mais um inseto.
Dessa vez foi diferente. Eu estava com a mão na alça de abrir o portão, o bichinho subiu na minha mão. Comecei a pensar no porquê do nome daquele "trequinho" verde ser esperança. Não achei um bom motivo. Pensei na esperança dos homens - que deram nome ao bicho -, o que acontecera com ela?
Todos os dias quando vou à escola, à pé, passo por um ponto de ônibus. Isso às seis da manhã, em torno disso, e vejo umas pessoas descendo, apressadas. Umas sorriem, tremem de frio. Há também os que fumam, os que seguram a bolsa com força e os que ainda não acordaram - porque não conseguiram ou por opção. Essas pessoas têm alguma esperança na vida? Elas vêm alguma espectativa no dia-a-dia monótono delas? Sempre indo e voltando do trabalho, esgotando suas forças pra sustentar filhos que tiveram mesmo sem querer.
Pensei nos jovenzinhos em suas festas de som automotivo, todos bêbados de pensamentos inúteis, futilidades do mundo em que vivemos. Nas garotas esperando um príncipe, nos garotos esperando a próxima. Esperar é ter esperança? A esperança que jaz no coração dos conformados. A mesma que ferve no coração dos amantes. A esperança de encontrar alguém, de ser feliz, casar e ter trinta filhos. Isso pra depois acordar cinco da manhã, pegar um ônibus e trabalhar pra sustentar uma família que um dia foi tão esperada e que hoje só traz desânimo.
Em quê temos tido esperança? É justo tê-la quando nem valorizamos nossa própria vida? Mesmo se você, que está lendo esse texto, tiver a opnião totalmente contrária à minha, pense um pouco nisso. Pelo menos tente fazê-lo sem que seja necessário um mísero inseto para que você possa sucumbir aos delírios dos seus pensamentos que você deixa guardado desde o dia que descobriu o Orkut e a Globo - eles pensam por você.
A verdade é que eu não tenho esperança, não alimento espectativas, não acredito em Deus, em Destino. Fé pra mim é algo sem base, só creio no que posso ver, tocar, ouvir ou comer. Não tenho pena dos que morreram com o terremoto na China, não espero justiça para com o caso da Isabela Nardoni. Eu não tenho sentimentos. Começo algo, não termino, e dane-se. Escrevo à lápis pra poder apagar depois. Só penso em meu próprio umbigo e para mim está tudo ótimo dessa forma. Nunca passei fome, frio, sempre tive quem eu quis, tenho poucos amigos, só converso com quem acho interessante - com os que não o são, finjo que converso -, só saio com quem me traz alegria. Dane-se o resto.
Não escrevo nada relacionado diretamente à mim nesse blog, nem prentedia fazê-lo. Se eu posto hoje, posso apagar amanhã. O fato é que eu gosto realmente de ser como sou. Me perguntam como eu consigo, respondo que sou um X-man. Na verdade sou mesmo, diferente de muitos humanos. Sou diferente das menininhas que esperam o príncipe, prefiro ir pra escola à pé que pegar um ônibus, não quero ter filhos nem gostos de festas com som automotivos. "No mais, estou indo embora".
Fechei o portão esmagando a esperança, sem nenhum remorso.