Thaís Dourado
Christian não gostava muito do sol. Ensinaram-lhe na escola a importância desse astro para a sobrevivência de todos os seres vivos e não-vivos, quer direta ou indiretamente. Sim, disso ele sabia muito bem, que sem os raios solares as plantas e outros seres fotossintetizantes não estariam habilitadas para realizar processos de respiração, produção de energia, etc. Apesar de toda essa utilidade – que, de fato, Christian muito admirava – toda aquela claridade incomodava-o um tanto considerável. Contra o conformismo que cobre a humanidade e a deixa cada vez mais desinteressante que era, levantou-se e fechou as persianas.
Seria normal que ele estivesse apreensivo e até com insônia, como toda pessoa igualmente normal ficaria no dia em que estivesse saindo de casa para morar sozinho, trabalhar, ter sua própria vida, sua independência. Mas não, ele estava totalmente ele mesmo em qualquer dia, um Christian em estado trivial. Estava adorando a idéia, claro, sempre foi meio solitário e preferiu mesmo esse “voar com próprias asas”; e o que lhe esperava exatamente: um mundo totalmente novo e seu.
Calmo como sempre foi, levantou-se, tomou seu café-da-manhã sozinho porque seu pai havia saído para comprar o jornal diário e sua mãe morrido há exatos dois anos, quatro meses e treze dias. Aproveitando a ausência do homem, pegou suas coisas, entrou no carro que havia sido comprado de segunda ou terceira mão com muito estágio e sem se despedir de ninguém, nem de sua “namorada” - é só estava com ela pelo sexo regular - foi-se.
Dirigiu por um dia e uma noite, parando sempre para descer do carro e olhar em volta, ou deitar em algum lugar bonito pelo qual passava, até que chegou a seu destino. Uma cidade pequena, um apartamento apertado e uma diarista pré-contratada que Christian ainda não conhecia, mas que iria lavar suas roupas e dar um faxina na casa uma vez no mês. Prático, normal, útil.
Sem muita ambição a respeito de seu novo lar e sem alimentar expectativas foi conhecer o imóvel negociado sem uma visita anterior, a baixo custo e por telefone. O prédio em si era antigo, com vários cômodos, não estava lá em boas condições, mas um dia ele se mudaria dali, ou não. Talvez a vizinhança fosse acolhedora, talvez lá morassem algumas mulheres bem feitas de corpo que topassem algum tipo de aventura sem intenções lá muito sérias. Enfim, poderia ser um lugar até simpático.
Enquanto caminhava pelos corredores e subia degraus e mais degraus até o terceiro andar, quarto 11, reparou nos outros apartamentos: crianças brincando em algumas portas, mulheres saindo ajeitando mini-saias, roncos e narrações futebolísticas, senhoras olhando pela fresta aberta na porta o novo habitante do lugar. Cheiro de urina, álcool e água acumulada há muito tempo. Nada mal, se sentia num filme meio grunge.
Achou a porta, o primeiro 1 do 11 estava torto. Christian levantou a sobrancelha esquerda, meio que achando graça e ajeitou o número e entrou. Chão encarpetado, tudo surpreendentemente limpo, com cheiro de desinfetante barato, apesar da aparência úmida e verde-musgo do lugar. Abandonou a bagagem perto da entrada, um quarto, cozinha e banheiro. Correu a mão pelo lençol, checou os outros aposentos; cozinha vazia, deixou uns salgadinhos e o estoque de pó de café na mesinha de quatro lugares. Na geladeira minúscula colocou cervejas, água, duas maçãs.
Livros no quarto, em um criado-mudo, computador portátil em cima da cama. Foi olhar a janela. O céu nublado, meio chuvoso, seis e dezoito da manhã piscava o rádio-relógio. A vista abaixo era a de uma rua calma, umas bicicletas passando. Acendeu um cigarro, depois outro, e outro – alguns outros para compensar os três longos dias em abstinência.
Aquele “lar” a princípio era mesmo provisório. O fato é que Christian não tinha certeza de nada ainda, iria ver se conseguiria o emprego que um amigo havia alertado-o que estaria disponível – assistente de qualquer coisa em um jornal local, de pouca tiragem, mas pagava-se bem – o que já era bom pra ele. Veria depois de encontrava alguém com quem dividir um outro apartamento, ou até o mesmo, se o movimento no prédio ficasse interessante, para aliviar as despesas, já que ele dispunha financeiramente somente de algumas economias que conseguira salvar durante a faculdade cortando gastos já pensando na mudança. Dinheiro pouco, de jornalista recém-formado.
Ligou o computador e colocou uma música, “Dissolved Girl”, Massive Attack, acendeu outro cigarro, pegou uma cerveja e voltou pra janela. Seu gosto musical, oscilante que era! Ouvia o que desse na telha, independente de combinações com o momento, lugar, companhia, etc.
Enquanto o tempo passava e não tinha apetite, o magro e alto Christian, olhos fundos e verdes, via a vida parada não passar lá fora. Mas ele não estava mesmo com pressa, e nem queria que tudo passasse, mas passava da hora do almoço...