Thaís Dourado
Os dias passavam devagar, o tempo trouxe com o verão aquele sol irritante calor idem. Lylja levava frutas e chocolates todos os dias para Andrew no hospital, mas ele comia muito pouco. Vez ou outra ela levava também um capuccino, mas não era muito recomendável ele consumir coisas “fortes”, já que estava tomando medicamentos. Levava também alguns livros, jornais e CD’s, além de alguns filmes e presentinhos. Andrew se mostrava sempre interessado e empolgado com as novidades que Lylja mostrava para ele, apesar de notar o olhar tristemente esperançoso da amiga. Andrew sabia que estava muito doente, que poderia morrer a qualquer momento, mas evitava falar sobre isso com a menina.
Virara rotina: todos os dias, Lylja ia para a redação da revista onde trabalhava (de baixa tiragem, publicação amadora, mas com conteúdos interessantes sobre música, cinema e artes), pela manhã; por volta das uma da tarde, passava por algum restaurante e comprava o almoço dela e de Andrew, com quem almoçava sempre e, quando o horário de visitas terminava, seguia caminhando para o “Kaffee”, um café onde ficava das seis até, no mínimo, uma da manhã. Para lá levava poesias, livros e seus Lucky Strike, mas não conseguia ler absolutamente nada – só pensava na condição de Andrew.
Por muito tempo não falavam sobre a doença, assim seria mesmo melhor para os dois. Falavam das coisas de costume: o clima, eles, até que tudo começou a parecer meio forçado, a ponto de ser impossível fugir do assunto.
_ Lylja, os médicos me disseram que não há muito que se esperar em relação à melhora da minha saúde.
Andrew estava magro, pálido e com os cabelos ralos, mas a garota não queria reparar isso: ela queria fugir da realidade como um coelho foge de uma serpente, mas que um dia seria abocanhado.
_ Você precisa acreditar. Tudo vai ficar bem.
Andrew riu. Sabia que Lylja, em estado normal, não falaria isso, uma vez que não era do seu feitio o tal “pensamento positivo”. Mas quando a realidade era tão assustadora e a atingia direta e violentamente, ela preferia tê-lo. Mas verdade é que nem era uma escolha, era o único caminho. As pessoas ficam pouco criativas no momento do desespero. E assim não falaram mais até o fim do horário de visitas, quando Andrew sentiu-se mal.
Uma forte dor de cabeça, febre alta e dores nos ossos arrasaram Andrew. Lylja ficou muito assustada, não sabia o que fazer e chamou o médico, que mandou que ela fosse embora. A garota olhou para o amigo com os olhos molhados, ele cerrou os seus como que a recomendando a obedecer ao homem alto, fino, com óculos grandes e ares de experientes.
Caminhando rumo à porta do quarto 13 lentamente e fitando o chão, Lylja se voltou para trás e fitou, dessa vez, Andrew com um olhar desesperado e triste. A menina forte, que sempre soubera onde pisar, como proceder, agora não passava de uma menina sem apoio. O garoto suando e amarelado olhou-a, passou a mão no rosto, deu um suspiro e abriu os braços. Lylja correu em sua direção, agora chorando muito, mas em silêncio, como sempre.
Ela meio que pressentia o que aconteceria, meio que ignorava a brusca realidade dos fatos que vinham e lhe golpear o estômago sem pena alguma.
Andrew, apesar da fraqueza, abraçou Lylja forte, como se a protegesse de algo. Tudo isso que passaram juntos tinha derrubado-a, tanto que ela, que deveria, de fato, ajudar o amigo, era quem precisava ser abraçada como uma criança indefesa. Eles ficaram abraçados um longo tempo, como de costume, e depois desse longo tempo soltaram-se e enxugaram suas lágrimas. A menina mordeu o lábio inferior e saiu andando, dessa vez rapidamente.
Ela dirigiu-se então ao Kaffee, seu recente refúgio. Tinha parado de chorar, estava confusa e a confusão tratou de secar-lhe as lágrimas. Ela sentou-se e dessa vez não pediu um café comum, pediu vodka e acendeu um cigarro - o primeiro de muitos. E cada gole descia quente, o que não combinava muito com o verão, mas fazia-a desligar-se um pouco desse bárbaro e sórdido mundo. Sentia-se sonolenta, pegou um táxi e foi para casa.
No dia seguinte os raios solares irritantes que entrava pela janela refletiam em um vaso remendado e batiam direto onde Lylja dormia, o que a despertou. Não foi trabalhar, tinha os membros pesados e adormecidos, meio perdida, pensou: “Preciso arranjar umas cortinas”. E olhou para o relógio que marcava um da tarde, pegou a bolsa vazia e seguiu rumo ao hospital ver como Andrew estava. Apressada, no táxi, se sentia bem, porque algo lhe dizia que seu amigo tinha melhorado.
Desceu na porta do prédio, pagou o taxista sorridente e entrou. Caminhou em direção ao quarto 13, rodou a maçaneta em vão: a porta estava trancada.
“Hoje é dia de falar sobre a morte.”