Virara rotina: todos os dias, Lylja ia para a redação da revista onde trabalhava (de baixa tiragem, publicação amadora, mas com conteúdos interessantes sobre música, cinema e artes), pela manhã; por volta das uma da tarde, passava por algum restaurante e comprava o almoço dela e de Andrew, com quem almoçava sempre e, quando o horário de visitas terminava, seguia caminhando para o “Kaffee”, um café onde ficava das seis até, no mínimo, uma da manhã. Para lá levava poesias, livros e seus Lucky Strike, mas não conseguia ler absolutamente nada – só pensava na condição de Andrew.
Por muito tempo não falavam sobre a doença, assim seria mesmo melhor para os dois. Falavam das coisas de costume: o clima, eles, até que tudo começou a parecer meio forçado, a ponto de ser impossível fugir do assunto.
_ Lylja, os médicos me disseram que não há muito que se esperar em relação à melhora da minha saúde.
Andrew estava magro, pálido e com os cabelos ralos, mas a garota não queria reparar isso: ela queria fugir da realidade como um coelho foge de uma serpente, mas que um dia seria abocanhado.
_ Você precisa acreditar. Tudo vai ficar bem.
Andrew riu. Sabia que Lylja, em estado normal, não falaria isso, uma vez que não era do seu feitio o tal “pensamento positivo”. Mas quando a realidade era tão assustadora e a atingia direta e violentamente, ela preferia tê-lo. Mas verdade é que nem era uma escolha, era o único caminho. As pessoas ficam pouco criativas no momento do desespero. E assim não falaram mais até o fim do horário de visitas, quando Andrew sentiu-se mal.
Uma forte dor de cabeça, febre alta e dores nos ossos arrasaram Andrew. Lylja ficou muito assustada, não sabia o que fazer e chamou o médico, que mandou que ela fosse embora. A garota olhou para o amigo com os olhos molhados, ele cerrou os seus como que a recomendando a obedecer ao homem alto, fino, com óculos grandes e ares de experientes.
Caminhando rumo à porta do quarto 13 lentamente e fitando o chão, Lylja se voltou para trás e fitou, dessa vez, Andrew com um olhar desesperado e triste. A menina forte, que sempre soubera onde pisar, como proceder, agora não passava de uma menina sem apoio. O garoto suando e amarelado olhou-a, passou a mão no rosto, deu um suspiro e abriu os braços. Lylja correu em sua direção, agora chorando muito, mas em silêncio, como sempre.
Ela meio que pressentia o que aconteceria, meio que ignorava a brusca realidade dos fatos que vinham e lhe golpear o estômago sem pena alguma.
Andrew, apesar da fraqueza, abraçou Lylja forte, como se a protegesse de algo. Tudo isso que passaram juntos tinha derrubado-a, tanto que ela, que deveria, de fato, ajudar o amigo, era quem precisava ser abraçada como uma criança indefesa. Eles ficaram abraçados um longo tempo, como de costume, e depois desse longo tempo soltaram-se e enxugaram suas lágrimas. A menina mordeu o lábio inferior e saiu andando, dessa vez rapidamente.
Ela dirigiu-se então ao Kaffee, seu recente refúgio. Tinha parado de chorar, estava confusa e a confusão tratou de secar-lhe as lágrimas. Ela sentou-se e dessa vez não pediu um café comum, pediu vodka e acendeu um cigarro - o primeiro de muitos. E cada gole descia quente, o que não combinava muito com o verão, mas fazia-a desligar-se um pouco desse bárbaro e sórdido mundo. Sentia-se sonolenta, pegou um táxi e foi para casa.
No dia seguinte os raios solares irritantes que entrava pela janela refletiam em um vaso remendado e batiam direto onde Lylja dormia, o que a despertou. Não foi trabalhar, tinha os membros pesados e adormecidos, meio perdida, pensou: “Preciso arranjar umas cortinas”. E olhou para o relógio que marcava um da tarde, pegou a bolsa vazia e seguiu rumo ao hospital ver como Andrew estava. Apressada, no táxi, se sentia bem, porque algo lhe dizia que seu amigo tinha melhorado.
Desceu na porta do prédio, pagou o taxista sorridente e entrou. Caminhou em direção ao quarto 13, rodou a maçaneta em vão: a porta estava trancada.
“Hoje é dia de falar sobre a morte.”