Thaís Dourado
Os dias passavam devagar, o tempo trouxe com o verão aquele sol irritante calor idem. Lylja levava frutas e chocolates todos os dias para Andrew no hospital, mas ele comia muito pouco. Vez ou outra ela levava também um capuccino, mas não era muito recomendável ele consumir coisas “fortes”, já que estava tomando medicamentos. Levava também alguns livros, jornais e CD’s, além de alguns filmes e presentinhos. Andrew se mostrava sempre interessado e empolgado com as novidades que Lylja mostrava para ele, apesar de notar o olhar tristemente esperançoso da amiga. Andrew sabia que estava muito doente, que poderia morrer a qualquer momento, mas evitava falar sobre isso com a menina.
Virara rotina: todos os dias, Lylja ia para a redação da revista onde trabalhava (de baixa tiragem, publicação amadora, mas com conteúdos interessantes sobre música, cinema e artes), pela manhã; por volta das uma da tarde, passava por algum restaurante e comprava o almoço dela e de Andrew, com quem almoçava sempre e, quando o horário de visitas terminava, seguia caminhando para o “Kaffee”, um café onde ficava das seis até, no mínimo, uma da manhã. Para lá levava poesias, livros e seus Lucky Strike, mas não conseguia ler absolutamente nada – só pensava na condição de Andrew.
Por muito tempo não falavam sobre a doença, assim seria mesmo melhor para os dois. Falavam das coisas de costume: o clima, eles, até que tudo começou a parecer meio forçado, a ponto de ser impossível fugir do assunto.
_ Lylja, os médicos me disseram que não há muito que se esperar em relação à melhora da minha saúde.
Andrew estava magro, pálido e com os cabelos ralos, mas a garota não queria reparar isso: ela queria fugir da realidade como um coelho foge de uma serpente, mas que um dia seria abocanhado.
_ Você precisa acreditar. Tudo vai ficar bem.
Andrew riu. Sabia que Lylja, em estado normal, não falaria isso, uma vez que não era do seu feitio o tal “pensamento positivo”. Mas quando a realidade era tão assustadora e a atingia direta e violentamente, ela preferia tê-lo. Mas verdade é que nem era uma escolha, era o único caminho. As pessoas ficam pouco criativas no momento do desespero. E assim não falaram mais até o fim do horário de visitas, quando Andrew sentiu-se mal.
Uma forte dor de cabeça, febre alta e dores nos ossos arrasaram Andrew. Lylja ficou muito assustada, não sabia o que fazer e chamou o médico, que mandou que ela fosse embora. A garota olhou para o amigo com os olhos molhados, ele cerrou os seus como que a recomendando a obedecer ao homem alto, fino, com óculos grandes e ares de experientes.
Caminhando rumo à porta do quarto 13 lentamente e fitando o chão, Lylja se voltou para trás e fitou, dessa vez, Andrew com um olhar desesperado e triste. A menina forte, que sempre soubera onde pisar, como proceder, agora não passava de uma menina sem apoio. O garoto suando e amarelado olhou-a, passou a mão no rosto, deu um suspiro e abriu os braços. Lylja correu em sua direção, agora chorando muito, mas em silêncio, como sempre.
Ela meio que pressentia o que aconteceria, meio que ignorava a brusca realidade dos fatos que vinham e lhe golpear o estômago sem pena alguma.
Andrew, apesar da fraqueza, abraçou Lylja forte, como se a protegesse de algo. Tudo isso que passaram juntos tinha derrubado-a, tanto que ela, que deveria, de fato, ajudar o amigo, era quem precisava ser abraçada como uma criança indefesa. Eles ficaram abraçados um longo tempo, como de costume, e depois desse longo tempo soltaram-se e enxugaram suas lágrimas. A menina mordeu o lábio inferior e saiu andando, dessa vez rapidamente.
Ela dirigiu-se então ao Kaffee, seu recente refúgio. Tinha parado de chorar, estava confusa e a confusão tratou de secar-lhe as lágrimas. Ela sentou-se e dessa vez não pediu um café comum, pediu vodka e acendeu um cigarro - o primeiro de muitos. E cada gole descia quente, o que não combinava muito com o verão, mas fazia-a desligar-se um pouco desse bárbaro e sórdido mundo. Sentia-se sonolenta, pegou um táxi e foi para casa.
No dia seguinte os raios solares irritantes que entrava pela janela refletiam em um vaso remendado e batiam direto onde Lylja dormia, o que a despertou. Não foi trabalhar, tinha os membros pesados e adormecidos, meio perdida, pensou: “Preciso arranjar umas cortinas”. E olhou para o relógio que marcava um da tarde, pegou a bolsa vazia e seguiu rumo ao hospital ver como Andrew estava. Apressada, no táxi, se sentia bem, porque algo lhe dizia que seu amigo tinha melhorado.
Desceu na porta do prédio, pagou o taxista sorridente e entrou. Caminhou em direção ao quarto 13, rodou a maçaneta em vão: a porta estava trancada.
“Hoje é dia de falar sobre a morte.”
Thaís Dourado
"Foi apenas um desmaio", diziam à Lylja. "Ele vai ficar bem, está tudo sob controle". Só que ela não conseguia acreditar no que eles falavam, tudo soava asquerosamente falso. Ela queria ver Andrew, perguntar diretamente à ele como estava se sentindo, se realmente tudo estava bem, se fora só um desmaio.
Quase seis horas sem notícias mais interessantes. Lylja já não conseguia mais. Ela não conseguiria sozinha, mas seu único e melhor amigo estava incapacitado de oferecer-lhe um abraço sequer. Porém ela não precisava de mais amigos, só precisava ficar com Andrew.
A garota que não acreditava em nada metafísico, pedia com todas as forças para que realmente nada de muito grave tivesse acontecido, que tudo ficasse bem, que voltasse à correr na chuva e a tomar café na varanda com Andrew ao som de um blues. Lylja queria ter ido buscar aquele café e aqueles cigarros, queria poder ter desmaiado no lugar de Andrew, queria poder ter feito algo pra impedir que o pior acontecesse. Escorreu um pouco de sangue da cabeça dele, e do nariz dela. Estaria Lylja demasiadamente preocupada com algo que poderia não ser tão fatal? Não havia ninguém para lhe dizer que sim, que ela não precisava estar tão atordoada. "Tudo vai ficar bem, tudo vai ficar bem..." sem a falsidade daqueles médicos e enfermeiras que perambulavam freneticamente pra lá e pra cá.
Pegou no sono.
Lylja acordou um pouco tonta em cima de um sofá verde-escuro um tanto quanto desconfortável. Levantou-se:
_ Onde está Andrew? Posso vê-lo?
_ Quarto 13, podes ir agora. - respondeu uma senhorazinha de um metro e meio, na qual Lylja não prestou muita atenção.
Corria procurando o quarto, esbarrou num vaso, que se espatifou no chão. Não se incomodou: havia achado o quarto. Número 13 gravado na porta branca, ela abre-a e entra pé-ante-pé no quarto. Sente cheiro de álcool. Andrew estava deitado, meio desatento, com uma feição preocupada. Olhou pra Lylja mesmo sem ouvir sequer um ruído feito por ela ou mesmo pela porta: o garoto podia sentir sua presença.
_ Vá pra casa, eu fico bem.
E Lylja, como que num gesto automático, virou-se e caminhou em direção à saída do hospital, uma vez que ela depositava toda sua confiança em Andrew e sabia que, mesmo que soasse contraditório em seu ponto de vista, o que ele dissesse à ela, estaria, em algum ângulo, certo.
Chegou na recepção e perguntou quando ele receberia alta, não souberam informar-lhe, disseram apenas que não antes de cinco dias e que o paciente não estava autorizado receber visitas que não fosse de algum (e só um) familiar e que ligariam assim que outras visitas fossem permitidas. Então Lylja pensou que, mesmo se fosse o caso, sabia que ninguém iria vê-lo, pelo menos não alguém da família, já que seu pai, com quem nunca conviveu, morava em Paris e sua mãe ele sequer chegou a conhecer. Lylja pensou em seus próprios pais, superficiais, quem ela fez questão de esquecer por motivos bem plausíveis. Eram os dois sozinhos e unidos, eram um só de metades de dois.
Lylja sai do hospital. No céu nublado, nuvens furiosas transitam no negro da noite como mar agitado e tempestuoso. Felizmente a chuva caía ainda fina e ela pôde caminhar rumo à estação para pegar o último metrô daquele dia. Acendeu um cigarro. Chegou à estação, seguiu caminho para casa. Deitou no sofá-cama e caiu num sono denso.
Os dias iam-se embora sem mesmo acontecerem. Lylja despertava meio confusa de manhã, e, quando se dava conta do que estava acontecendo, deixava que sua cabeça pesada caísse e que os olhos ainda mais pesados fizessem-na adormecer novamente. O cinzeiro já transbordava. Chovia forte.
A janela aberta, de manhã, deixa claridade morna entrar na casa com cheiro de café - a chuva dera uma trégua. Toca o telefone. Lylja acorda atordoada, atende.
_ Alô?
_ Bom dia. Falo do hospital, senhorita Müller, a fim de comunicar-lhe que o paciente Andrew já pode receber visitas. Adeus.
Imediatamente ela deixa o telefone, veste uma blusa e vai para o hospital. "Quarto 13, quarto 13...", pensa apreensiva.
No quarto 13, Andrew já sabia que a receberia e estava psicologicamente preparado para isso. Lylja entrou no quarto, aproximou-se de Andrew com os olhos marejados e abraçou-o demoradamente. Ficaram os dois entrelaçados como se nunca tivessem se separado. Um protegia o outro e estavam ambos vacinados contra qualquer perigo porque se tinham.
_ O que está acontecendo, Andrew? Eu preciso saber. - olhando fixamente nos olhos do garoto.
_ Não precisas saber, eu que preciso que saibas.
_ Diz, então.
_ Sabe, Lylja, viajei para Salzburg a fim de espairecer mesmo, respirar novos ares, crescer, tornar-me forte sem ti para proteger-te desse mundo monstruoso. Porém, fui surpreendido por algo que achei que nunca fosse acontecer comigo, principalmente naquele momento. Via aparecerem manchas permanentes vermelhas em meu corpo, além da fraqueza e falta de apetite. Para que minha viagem não fosse destruída por uma virose qualquer, fui ao médico. Diagnosticaram leucemia - ele disse assim, asperamente, parecia que já não lhe incomodava - e prolonguei minha estadia em Salzburg para dar início à quimioterapia. Quis poupar-te disso, quis continuar sendo seu porto seguro, seu amigo para qualquer momento. Não um fraco doente, sem condições nenhuma de proteger a si mesmo, quanto mais ao outros.
Lylja estava pálida, seu coração batia muito rápido, suava frio. Seus olhos em Andrew, a princípio fixos, agora estavam trêmulos, e toda a auto-suficiência, força e independência que Lylja parecia possuir, haviam fugido para algum lugar longe, haviam fugido para sua medula óssea.
_ Você vai morrer? - perguntou inocente.
_ Sim. Eu e você, e tudo o que é vivo. Não se preocupe, estou fazendo o tratamento, tudo vai ficar bem, minha menina. Eu vou ficar bem com você.
_ O que esse desmaio quis dizer?
_ Quis te deixar mais perto de mim. - sorriu ternamente o garoto.
Lylja deu um suspiro confundido com alívio e preocupação. Abraçou Andrew, e assim esperavam permanecer durante todo esse efêmero ciclo apelidado de vida.
Thaís Dourado

E agora mais velhos. Antigos, ouso dizer, anos vividos de lembranças, falta de coragem de voltar atrás, um mundo totalmente diferente nas mãos e à sua frente. Mas agora eram eles, Lylja e Andrew, um só, e outro só, e juntos como sempre e para sempre. E de volta àquela casa com cheiro de coisas antigas, o cheiro de páginas amareladas de livros há muito lidos e relidos incontáveis vezes. O papel de parede com flores distribuídas por acaso, meio descolado, um vaso remendado, a janela central. Quadros, molduras, um ar fresco adentrando a casa, Andrew olha para o pé-de-maracujá carregado de flores e um sol lindo, o céu azul-anil. Lylja chega com uma xícara de café e um maço de cigarros.

_ Vamos lá fora.

E tinham tanto para falar, mas não queriam saber. Andrew já não fazia mais questão de palavras. Os dois sentados no banco úmido da varanda curtiam a ausência, a locomoção que o vento fraco possibilitava ao ouvir-se apenas seu sopro. O barulho do isqueiro, longe, quebra o silêncio.

_ Você fica muito bem de barba.

_ E você fica muito bem com essa blusa verde.

E eles riram juntos, uma risada gostosa um tanto primaveril. Café, um livro.

_ Esse eu trouxe de Salzburg para você. Conta a história de um casal que se conhecia apenas por cartas, mas eram apaixonados um pelo outro. A distância, fator marcante na obra, acaba por apagar e acender alternadamente essa paixão à medida que param de se comunicar, mas a saudade é grande que vencem o orgulho e voltam a comunicar-se. O que acontece é que o mesmo que o jovem escreve nas cartas para a moça ele diz para outras. Mas no fim... Bom, o resto você pode saber por si só.

Era um livro novo, ainda embalado, com um papel transparente que dava para ver apenas a capa, dura que luzia. Lylja gostava mesmo era de livros velhos, com cheiro de velharia mesmo e Andrew bem sabia disso, mas só tinha encontrado um novo.

_ Você certamente deve estar com muita vontade de guardar esse livro até ele ficar amarelado só para, então, lê-lo, imagino. Mas se você apenas passar os olhos pela primeira página garanto que ele se tornará um objeto de repulsão de sua prateleira e de atração de suas retinas.

_ Olha só o que dizes! Eu posso não querer mais ver-te de tão empolgada na leitura deste.

_ Ah, aí então você não precisa se preocupar, eu entenderia.

_ Eu acho que você deveria entender, afinal, eu não demoraria cinco anos.

Lylja sorriu, Andrew também, ambos sinceros, uma vez que já tinham superado essa fase de dúvidas e curiosidades à respeito desse tempo todo que ficaram separados. Porém, na verdade, nem tinham passado por ela - pularam-na.

_ Promete? - Andrew sorri lindamente e estende o livro ainda embrulhado.

_ Prometo!

E Lylja rasga o papel transparente que envolvia-o e pode, enfim, ver o título.

_ "Mentiras Convencidas"... Interessante.

E deu um abraço longo e um beijo estalado no companheiro. Andrew disse que pegaria outra xícara de café na cozinha, apagou o cigarro e foi caminhando pelo chão de pedras ásperas. Lylja olhou para ele de costas e voltou-se para o livro.

Na primeira página, que só continha o título, havia a dedicatória escrita em caneta preta tinteira.

"A minha luta é dura e regresso

com os olhos cansados

às vezes por ver

que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso

sobe ao céu a procurar-me

e abre-me todas

as portas da vida.

Meu amor, nos momentos

mais escuros solta

o teu riso e se de súbito

vires que o meu sangue mancha

as pedras da rua,

ri, porque o teu riso

será para as minhas mãos

como uma espada fresca."

_ Neruda... - sussurou sentido um afago no peito.

Repentinamente, soa um barulho de queda e um gemido. Lylja assustada olha para trás: xícara quebrada, café derramado no chão, Andrew caído. Ela corre para dentro, chama a ambulância que chega rápido.

Thaís Dourado

E assim se passaram cinco anos, o marasmo diário de Lylja. E ela terminou a universidade, e não mais vira Andrew, que fora transferido para sabe-se lá onde. Lylja na verdade nunca entendeu o porquê desse desaparecimento súbito do amigo, ou qualquer coisa perto disso. "Talvez ele quisesse ficar um tempo longe para refletir" ela preferia pensar, tentando aliviar a própria dor da perda, mesclada à dúvida e à necessidade do esquecimento. Mas nunca havia passado por sua cabeça insensata de idéias mais trágicas que algo de menos sutil tenha acontecido.
Lylja era otimista, apesar de não parecer. Ela tinha os pés na realidade, sim, mas isso de forma alguma houvera impedido-a de alguma vez imaginar que seus planos tomassem o rumo que ela escolhesse, que tudo no final daria certo, como num daqueles monótonos romances americanos onde, no arremate, todos vivem "felizes para sempre”.
Aquele era mais um dia de "trabalho experimental" - assim dizem quando você corre o risco de ser demitido a qualquer momento - numa empresa que a descobrira por intermédio daquele mesmo professor de filosofia de Andrew. Era um lugar agradável e as pessoas eram, com certo esforço, simpáticas. Ela não era muito de simpatia, talvez essa tenha sido a causa de essas mesmas pessoas tornarem-se indiferentes à ela e ela à essas pessoas.
Caminhava sem pressa, chovia naquele dia, como na semana inteira, uma chuva tão fina e deliciosa que Lylja segurava seu guarda-chuvas xadrez fechado na mão esquerda. A mão direita ela hesitou em estender para chamar um táxi, queria seguir à pé, mesmo que chegasse encharcada na People and Comunication, a empresa onde trabalhava "experimentalmente". A garota grande repentinamente se encheu de uma terna alegria que, em plena avenida, tirou seus desconfortáveis sapatos altos e caminhou na calçada molhada até um lugar que tivesse grama. Chegou numa praça, sentou, olhou para cima, suspirou fundo. A chuva estava parando. Parou.
Um céu ainda nublado terminava a tarde por despejar suas últimas lágrimas de uma quinta-feira cinza. Passavam poucas pessoas, ela pensou um instante em o que lhe aconteceria por esse dia de trabalho perdido, mas logo se desligou. Abriu os olhos devagar, abaixou a cabeça e pegou um cigarro dentro da bolsa, o último do maço. Quando ela põe-no nos lábios e acende-o sem pressa com um isqueiro quase sem gás vê alguém na sua frente. Um homem de barba rala e olhos bem expressivos, mesmo atrás das lentes dos óculos de armação branca e fina, lábio e bochechas coradas: era Andrew.
_ Olá - disse ele com um sorriso amarelado de canto de boca.
Era mesmo ele, agora com um rosto mais sério, um homem mesmo. Mas Lylja ainda o reconhecia, é claro. E tinha a pequena cicatriz no queixo para ajudá-la, daquele dia em que ele quis se auto-afirmar brigando com "os caras maiores" quando ainda estavam no colegial.
_ Oi.
E uma feição um tanto quanto confusa tomou conta do seu rosto molhado. Ela levantou e olhou por um segundo eterno, assim, bem fundo nos olhos dele, e se abraçaram por uma eternidade que pareceu mesmo um segundo. Pronto, agora se reconheceram.
Lylja tinha uma porção grande de coisas para perguntar, mas preferiu deixar as perguntas para depois. Estava ali com seu melhor amigo, que ficara fora por muito tempo, ou tempo suficiente para deixá-la mais sozinha do que nunca esteve. Então eles caminharam juntos em silêncio, porque é muito bom caminhar em silêncio com outrem quando se há coisas demais a serem ditas.


Thaís Dourado

Ser humano é bem divertido. Essa "lucidez" que os outros animais não têm, essa "consciência", essa "racionalidade". Ser humano permite sermos donos do mundo - mesmo. Inventar, reinventar, escrever, apagar, lembrar, olvidar etc. Tudo isso é tão divertido e só NÓS fazemos. Pode parecer egoísmo da minha parte, mas ser humano é ser assim.

Apesar da grande vantagem em sermos humanos é estranho pensar que estamos sós nesse universo. É inevitável pensarmos na existência de seres extra-terrestres, seres de outra dimensão, não-seres, energias, mesmo sabendo o quanto escassas e pouco fundamentadas são as supostas "provas" da existência deles. Fato.

Não sei se estou ficando louca, mas às vezes olho pros lados e tudo parece uma GRANDE mentira, uma pegadinha daquelas do Faustão. Hoje você está vivo, amanhã pode não mais acordar e pronto!, acabou. Isso a não ser que tenha inventado seu "deus" e suas teorias de vida após a morte, ressureição, reencarnação. Tá aí a maior desvantagem da raça: mortalidade.

Mas, excluindo o fato inevitável que você irá morrer qualquer dia desses tão banais, existiram e ainda existem gênios capazes de honrar sermos humanos. Gênios da música, gênios da filosofia, gênios das artes plásticas, cênicas, gênios das ciências, gênios da vida, da palavra, do amor. Esses gênios, os quais invejo, sim, admito, e admiro acima de tudo dão uma esperança, uma vontade de não ser humano, ser menos um, ser bom também. É isso que nos faz melhores não melhores que os outros, mas melhores que o mínimo que podemos ser - e muita vezes somos.

Essa variação de ser e estar, essas oscilações de humor e personalidade são realmente excitantes! Você pode escolher ser bom ou ruim, fazer dos outros bons ou ruins. E viva! o livre arbítrio! As possibilidades de agora amar e em alguns minutos odiar, de reinvidicar orgulhos bobos e direitos sérios, de querer e não querer mais, assim mesmo: como uma criança birrenta. Mas bom mesmo é não ter a tal da "consciência", não se importar com o que os outros dizem ou pensam sobre o que somos ou o que queremos e quero mais! Quero continuar irresponsável, bebê birrento, quero continuar "como as outras", fazer o que der na telha, gostar de quem eu quiser, falar com quem eu quiser, não falar, me importar só com quem acho que mereça, continuar assim, "só enquanto eu respirar".

É, talvez iremos mesmo pra outra dimensão, e tomara que lá seja igualzinho aqui na Terra, só que com pessoas mais felizes, menos displicentes, se importando com o bem-estar do outro e estando bem, e com a mesma vontade de potência e genialidade escondida que todos lá traremos à tona, apesar de termos livre possibilidade de fazer tudo isso aqui mesmo. E viva o que seremos! Humanos ou não, mas em suma, GRANDES e BONS! Não opacos, mas escarlates como a estrela mais brilhante, cheios da vida que um dia não aproveitamos mas que outrora em um lugar melhor aproveitaremos arrependidos e com saudade do que não fomos e não fizemos.
Thaís Dourado
Desde aquele dia na Music'n Mind não vejo Andrew. Hoje ele embarcou para Salzburg, saberia disso se eu não tivesse conversado com seu professor de filosofia esta tarde, que não faz idéia se e quando ele retorna. Diz que foi a passeio, somente. Escrevo hoje, muito frio, na saudade do futuro.
Ele não me contou o que tinha para contar. Nunca mais nos vimos. Não tenho nada a dizer à respeito. Só que sinto falta dele.
Ontem saímos, eu e uns rostos sem importância, para um bar e ficamos até hoje, às 5. Fiquei nem um minuto sequer sem pensar em Andrew. Se ele estivesse lá, não consco, comigo, minha noite teria sido, no mínimo, muito boa. Mas ele nõ estava, que pude eu fazer? Beber.
E aquele álcool descia minha goela abaixo como um coquetel de lâminas. Faz um mês que eu não faço. Faço nada além de ler. Me afogo em romances, aspirando que aquilo se passasse comigo. Não, nunca. Nem com Andrew nem com ninguém.
Me amigo, meu melhor - o melhor de mim. O único que conhece meu eu mais sombrio, meus pecados, minhas virtudes. Meus medos - poucos - ele conhece e eu reconheço só à ele.
Todos os dias passam lentos e eu fiquei novamente sem cigarros. O frio, céu nublado, às vezes chove um pouco, a cidade lacrimeja - acho tudo bonito e me conforta essa paisagem.
Vou ficando por aqui, sozinha mesmo, até que surja algo menos desinteressante nessa existência minha.

Lylja.
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Notas do autor
Escrever em primeira pessoa é mais fácil, a melhor saída pra quem está com preguiça de imaginação. Não sei que destino terão meus personagens, aceito opniões - ou não. O livro de comentário está aí para isso. No mais, eu só não queria deixar meus fantasmas-leitores sem algo pra ler. Não sei se continuarei com isso.

Thaís Dourado.
Thaís Dourado
Algum dia desses tantos que se passaram, desde que vim morar nesta cidade, não foram tão interessantes quanto essa última semana. Em um aspecto um tanto diferente dos que costumam deixar as pessoas assim, felizes, intrigadas. Então, sem mais rodeios, vou contar o caso.
Estava eu, cansada de mais um dia cheio no México (quem sabe sabe), com a cabeça bem cheia de coisas como quantos mols tem em 42 gramas de hidrogênio, já que sábado eu teria uma avaliação de química, a mesma química que me deixa louca - no pior sentido da expressão.
Atravessei a avenida, quase fui atropelada por uma gurizinho de, no máximo, 16 anos, num carro rebaixado e com um funk estrindentemente alto - mas isso nem é tão relevante. Seguindo a ordem cronológica dos fatos, cheguei na porta da minha casa. Tudo escuro. Toquei o interfone, atenderam. "É a Thaís", eu disse. Abriram. Quando coloquei a mão no portão cinza, um tanto gelado, deparei-me com um monstro.
Era uma gigantesca esperança. Aquele inseto dos milhares de zilhões que existem nesse país, nesse planeta, nessa galáxia, e em outras. Nunca fui fã de insetos, costumo esmagá-los antes de pensar nos benefícios que trazem para a humanidade. Fazem um barulho irritante. Então, fiquei parada olhando para "aquilo" tão verde e menor que as esperanças normais. Deduzi que era um bebê-esperança. Dane-se, eles não fazem zoadas agonizantes enquanto morrem, não faria diferença pra minha consciência se eu matasse mais um inseto.
Dessa vez foi diferente. Eu estava com a mão na alça de abrir o portão, o bichinho subiu na minha mão. Comecei a pensar no porquê do nome daquele "trequinho" verde ser esperança. Não achei um bom motivo. Pensei na esperança dos homens - que deram nome ao bicho -, o que acontecera com ela?
Todos os dias quando vou à escola, à pé, passo por um ponto de ônibus. Isso às seis da manhã, em torno disso, e vejo umas pessoas descendo, apressadas. Umas sorriem, tremem de frio. Há também os que fumam, os que seguram a bolsa com força e os que ainda não acordaram - porque não conseguiram ou por opção. Essas pessoas têm alguma esperança na vida? Elas vêm alguma espectativa no dia-a-dia monótono delas? Sempre indo e voltando do trabalho, esgotando suas forças pra sustentar filhos que tiveram mesmo sem querer.
Pensei nos jovenzinhos em suas festas de som automotivo, todos bêbados de pensamentos inúteis, futilidades do mundo em que vivemos. Nas garotas esperando um príncipe, nos garotos esperando a próxima. Esperar é ter esperança? A esperança que jaz no coração dos conformados. A mesma que ferve no coração dos amantes. A esperança de encontrar alguém, de ser feliz, casar e ter trinta filhos. Isso pra depois acordar cinco da manhã, pegar um ônibus e trabalhar pra sustentar uma família que um dia foi tão esperada e que hoje só traz desânimo.
Em quê temos tido esperança? É justo tê-la quando nem valorizamos nossa própria vida? Mesmo se você, que está lendo esse texto, tiver a opnião totalmente contrária à minha, pense um pouco nisso. Pelo menos tente fazê-lo sem que seja necessário um mísero inseto para que você possa sucumbir aos delírios dos seus pensamentos que você deixa guardado desde o dia que descobriu o Orkut e a Globo - eles pensam por você.
A verdade é que eu não tenho esperança, não alimento espectativas, não acredito em Deus, em Destino. Fé pra mim é algo sem base, só creio no que posso ver, tocar, ouvir ou comer. Não tenho pena dos que morreram com o terremoto na China, não espero justiça para com o caso da Isabela Nardoni. Eu não tenho sentimentos. Começo algo, não termino, e dane-se. Escrevo à lápis pra poder apagar depois. Só penso em meu próprio umbigo e para mim está tudo ótimo dessa forma. Nunca passei fome, frio, sempre tive quem eu quis, tenho poucos amigos, só converso com quem acho interessante - com os que não o são, finjo que converso -, só saio com quem me traz alegria. Dane-se o resto.
Não escrevo nada relacionado diretamente à mim nesse blog, nem prentedia fazê-lo. Se eu posto hoje, posso apagar amanhã. O fato é que eu gosto realmente de ser como sou. Me perguntam como eu consigo, respondo que sou um X-man. Na verdade sou mesmo, diferente de muitos humanos. Sou diferente das menininhas que esperam o príncipe, prefiro ir pra escola à pé que pegar um ônibus, não quero ter filhos nem gostos de festas com som automotivos. "No mais, estou indo embora".
Fechei o portão esmagando a esperança, sem nenhum remorso.
Thaís Dourado
Todas as quintas-feiras, às cinco horas da tarde, Lylja e Andrew tinham o ritual de descer à estação de metrô e passar horas numa loja de discos que lá havia, de nome Music'n Mind. Naquele dia eles cabularam aula para ficarem na praça de manhã, em suas devagações que nunca chegariam à lugar algum, tomando café quente e fumando seus Lucy Strike. Conversaram sobre música e astronomia e depois almoçaram num café qualquer, então seguiram para Music'n Mind.

_ O que você fará quando eu morrer?
_ Como "o que eu farei"? Irei ao seu funeral dar uma boa cuspida no seu túmulo, Lylja! - disse Andrew rindo-se.
_ Eu falo sério, Andrew. Você choraria?
E se fez um breve silêncio. Só se ouvia os ruídos vindos dos fones dos outros clientes da loja.
_ Creio que não. Chorar é para os fracos. Lágrimas não resolvem nada. Nunca resolveram. Só causam uma falsa compaixão, à que eu chamo de um um sentimento de pena desprezível.
_ Não quero que chores no dia do meu funeral.
_ Nem eu quero que chores quando vier meu fim.
_ Eu não o faria. Concordo plenamente com o que tu disseste. Lágrimas são para os fracos. Vamos lá fora pra eu fumar um cigarro.
_ Vamos. - concordou Andrew.
Chovia. Os dois estavam de bom humor naquele dia. Mas essa conversa sobre morte fez Andrew lembrar de algo que não queria, mas, ao mesmo tempo, se forçava a lembrar-se todos os dias. Não queria contar à ninguém, mas sentira enorme necessidade de segredar à Lylja sobre o caso. Porém era muito orgulhoso. Não queria que ela soubesse que ele estava doente. Muito doente.
_ Creio que morrer seja demasiado ruim. - disse Lylja soltando a fumaça da primeira tragada de um cigarro que acabara de acender.
_ Talvez sim. Ou não. O lado ruim é não termos a escolha de poder fazê-lo e voltar. Confesso que tenho uma curiosidade de conhecer a "cara da morte". Ela deve ser muito atraente, posto que é mais fácil morrer que nascer.
_ Não diga isso, Andrew. Não quero que morras, que me deixe só. Apesar de ser conformada com o fato de que todos morreremos, não quero que morras antes de mim. - disse Lylja seriamente.
Andrew percebeu nos olhos da amiga tanto a seriadade quanto a sinceridade nas palavras que ela proferira. Tratou logo de descontrair soltando um deboxado riso.
_ Acenda esse cigarro para mim. - pediu ele.
_ Você não quereria passar tempo demais comigo. Ninguém consegue passar tempo demais nem convivendo consigo mesmo, imagine com outrém! Penso que seja essa a razão da morte, cara amiga.
_ Não sei, pode ser que estejas certo. Mas a verdade é que, pelo menos em vida, quero-lhe sempre ao meu lado.
_Ah! Deixe de bobagens, Lylja, sabes que, em vida, estarei sempre aqui para o que precisares e sempre.
_ Obrigada.
Andrew disse que precisava ir ao banheiro. Jogou o quarto cigarro no chão molhado da calçada em frente à Music'n Mind e pisou de leve, porque a água o apagara facilmente. Entrou no banheiro com os olhos mareados. Uma lágrima rolou em seu rosto e, olhando-se fixamente no espelho. Não a enxugou, deixou que aquela gota de água caísse na pia encardida e descesse pelo ralo, como aconteceria com tudo o que construira quando morresse.
Ele permaneceu lá por quase vinte minutos e Lylja havia entrado no banheiro atrás dele.
_ O que você está fazendo no banheiro masculino? És louca? - e deu um sorrizinho sem graça para disfarçar o rosto pálido de devaneios.
_ Imagine! Vim aqui só lhe trazer uma cerveja. - e entregou a garrafa para ele e saiu caminhando em direção à porta - Estou te esperando ali fora pelos séculos, quando resolveres sair, me avise pra eu voltar à essa geração.
E saiu sorrindo, mesmo percebendo que Andrew estava triste. Ela fazia de propósito. Sempre que percebia algum desânimo no rosto dele tratava logo de ignorar. Sempre funcionava, mas dessa vez povocou um efeito inesperado.
Andrew olhava Lylja enquanto ela saía caminhando. Andou com passos acelerados em seu rumo, virou-a. Encararam-se. O sorriso de Lylja se transformou num olhar muito intenso, diretamente nas pupilas de Andrew, e viu no amigo certo desespero. Permaneceram se olhando por quase dois minutos. Beijaram-se.
Foi um beijo longo, calmo, num acesso de ilucidez de ambos. Mas o melhor de todas as bocas que já haviam beijado, de todos os corpos que já haviam tocado, de todas as íntimas sensações que houveram outrora eperimentado. Quando pararam, se olharam mais uma vez e se abraçaram por um tempo maior ainda. Voltava a chover. Já eram quase nove horas. Voltaram de mãos dadas à Music'n Mind.
Não proferiam uma palavra. O silêncio para eles valia mais que milhares da mesma.
Depois de ouvirem todos os LPs dos Beatles, Buzzcocks e Dylan - estilos diferenciados, mas adorados por ambos - pela enésima vez, foram para a sessão de livros.
_ Estás demasiado magro, Andrew. Deveria parar de fumar.
_ Veja lá o que falas, não és nem de longe uma garota "pró-saúde". Veja esses olhos! Mais fundos que o Mar Mediterrâneo. O café e a cerveja estão lhe fazendo muito mal.
E riram-se os dois lembrando-se de que seus pais falavam a mesma coisa quando ainda moravam com eles. Folhearam dois ou três livros e saíram a fim de pegar o último metrô rumo à suas casas. Seguiram juntos até certo ponto, sempre fraternalmente abraçados, e, nesse ponto, separaram-se. Até quando? A morte era tão previsível quanto o apocalipse.
Thaís Dourado

Estavam os dois sentados na varanda, na companhia fresca de um pé-de-maracujá, cujas folhas balançavam suavemente, dançando ao som sensível do vento de verão.


- É...


- Lylja, há tempos já não temos mais o que falar... O que houve? Algo de errado comigo?


- Longe de mim, Andrew! Não tens absolutamente nada a ver com meu silêncio. Ou talvez até tenha. O fato é que não mais interesso-me em jogar ao vento palavras vazias, sem nenhuma utilidade. Cansei de apenas gastar saliva. - e atirou para algum rumo a ponta do cigarro que acabara de fumar.


- Gastar saliva? Jogar palavras ao vento? Que calúnia proferes! Nossas conversas são tão construtívas, pelo menos assim o penso. És uma das poucas pessoas com quem realmente tenho prazer em conversar.


- Me diga, amigo, para onde levas as palavras que vos digo? Que fim às dá? Nenhum! No outro dia não passam de lembranças, no máximo.


- Não! Tudo o que dizes guardo dentro de mim. Não te alegras contribuir na formação do pensamento de outrém? Não tens para ti que seja útil esse fim?


- Mentes, Andrew... - e acendeu outro cigarro.


- Não! Digo-lhe a mais pura das verdades!


- Se dizes, pois, a verdade, traz-me desvanecimento. Vejo que tu realmente entendes a finalidade do que falo. Outros não me levam a sério, deixam sair pelos ouvidos o que vos digo.


- (...) - silenciou-se Andrew e pôs-se a pensar. - Entremos e bebamos algo. - foi o único comentário que pôde fazer após a confissão da amiga.


Dentro da casa, à caminho da cozinha, Andrew reparava, como sempre o fizera, um estranho vaso remendado e brilhante em cima de uma mesa de canto de madeira sem verniz. Ele o achara excêntrico desde a primeira vez que entrara na casa de Lylja.


- Esse vaso... - comentou Andrew quebrando o silêncio que quase nunca se dava quando estavam juntos, mas, de uns tempos pra cá, amiúde acontecia.


- O que tem o vaso? Não te agradas? - retrucou Lylja?


- Remendado... É um tanto estranho que guarde tralhas em casa. Por que não atira-o ao lixo? Dê-me um cigarro.


Lylja passou o maço para o amigo.


- Estranho me é interessante. E o vaso representa algo além do que se imagina ao vê-lo. É preciso analisar...


- O que representa então? Não consigo imaginar nada que caiba à isso.


- São as pessoas realmente sábias.


- Ahn?


- Aqueles que usam suas fraquezas e quedas para crescer. Veja essa foto de quando o vaso era novo. Vês como era sem graça?


Lylja tira de uma gaveta barulhenta uma foto levemente empoeirada e mostra a Andrew.


- Com as remendas feitas à cola, o vaso tornou-se mais brilhoso e ficou com uma simetria mais agradável de se ver. Além de ter ficado mais forte fisicamente. Não achas?


- Hum... Realmente. - concordou Andrew olhando alternadamente para a foto, que mostrava o vaso cinza e liso, um tanto fosco, e para o vaso remendado brilhante e estranhamente bonito com sua superfície mosaica.


- Pessoas sábias, em momentos ruins, usam suas quedas para erguerem-se com mais força e suas feridas para reconstituirem-se com maior imunidade, tornando-se alguém novo a partir do mesmo, sem mudar em sua essência, mas mudando, simultâneamente, outras coisas em si, a alma, que é mais importante.


- Brilhante!


- Todos deveriam procurar, cada dia mais, em evoluir. - disse a garota passando uma xícara de café requentado para o amigo e pegando uma outra para si.


- Realmente... Sejamos, pois, todos vasos remendados e, portanto, sábios!


- Sim, sejamos. Agora tens de ir, Andrew. Já chega o meu irmão para levar-me ao museu. Vem conosco?


- Tudo bem, já é a hora de eu levar meu irmão ao centro mesmo. O convite está aceito, previmente, para uma próxima ocasião.


- Até.


Deixaram as xícaras num canto e caminharam juntos até a porta aberta por Lylja. Antes de sair, Andrew disse:


- Vês? Nossas conversas são tão interessantes... Não vejo o porquê do silêncio.


Lylja deu um sorriso divertido e olhou para o amigo corada:


- Vasos não falam, Andrew... Vasos não falam.


Andrew também sorriu, beijou ternamente as bochechas vermelhas de Lylja, que, após o amigo sair, fechou a porta e pôs-se deitada numa poltrona de um azul-marinho desbotado e lá permaneceu até pegar no sono.

Thaís Dourado
Uma carta selecionada para o Concurso Internacional de Cartas 2008 - Tema: Por que o mundo precisa de mais tolerância?

Goiânia, 1 de abril de 2008
Querida Babsi;
Ultimamente venho pensando muito na condição do mundo, especificamente, sobre a humanidade como um todo. Como tudo está banalizado. Os valores não são mais os mesmo, as pessoas, cada vez mais superficiais, desmerecendo as condições do seu próximo. Quanto preconceito venho presenciando!
Caríssima, essa superficialidade, esse desinteresse, o julgamento errôneo que uns fazem dos outros, tudo isso está conduzindo a humanidade para uma autodestruição. Ao que costumava-se dar valor tornou-se totalmente distorcido, tudo resumiu-se a meros pedaços de papéis azuis, amarelos... Reduziu-se a potes de creme, árvores caídas, o nosso ar, poluído, vozes que não têm dono ecoam artficialmente de dentro de um aparelho eletrônico. Distantes.
As relações entre as pessoas não passam de desinteressados "ois" e "boa tardes". As relações delas como meio onde vivem, não passam de árvores que viram dinheiro, águas limpas que viram imundos esgotos, ar puro que vira fumaça. Morte. "O homem é lobo do homem"*, vejo um mundo preso em sua rotação, os outros planetas só observam, solitários.
Babsi, talvez você pense que quem precise de tolerância seja eu mesma. Talvez você esteja certa. Ou talvez o mundo que precise de um desenvolvimento racional, porque, pra mim, acompanhar essa decadência, essa seqüência anti-horária que seguem os "homo sapiens", que, vê lá, nem são tão sapientes assim, isso, creio eu, é algo tão útil quanto contar os grãos de areia de um deserto, e faz tanto sentido quanto conversar com uma pedra. Escolho, portanto, permanecer como espectadora para ver onde isso vai parar e dizer, no final, aquele irritante "eu avisei".
É por isso, minha amiga, que, então, vejo que todos nós temos que ter tolerância conosco mesmos, tolerância quanto a nossa limitadíssima condição de seres humanos. Mas nem por isso devemos deixar que tudo continue o caos que está. Devemos revolucionar nossas mentes, Revolucionemo-nos! Afinal, nós somos o mundo!

Abraços inquietantes,
Thaís Dourado
Thaís Dourado
Destino? Não existe. Só uma colheita de tudo que se é plantado por nós. Pagamos as conseqüências dos nossos próprios atos, sejam elas boas ou ruins.
Não faz o mínimo sentido colocar a culpa em algum deus, coitado, tão cheio de coisas pra fazer e, mesmo assim, os seres humanos vivem entregando coisas em suas mãos, coisas essas que sabem, mas ignoram, que podem realmente fazer algo para mudar. Falta ação.
Cada um é dono de sua vida, tudo depende da "fé que você deposita em você". As coisas só se tornam alcançáveis se há esforço. Esforço... Algo que está em falta nas pessoas. Acomodados, um bando deles.
No fim só vai restar olhar pra trás. Ver tudo o que foi construído, destruído, reconstruído modificado. Caráter, bens, apesar de serem de suma importância, ficam para trás, são levados de nós, ou melhor, nós mesmos os deixamos, e vão, como folhas que são levadas pelo vento numa tarde cinza de outono. Alguns olharão com um arrependimento tão grande por terem apenas passado pela vida, outros se sentirão leves e felizes ao ver que, mesmo com toda dificuldade, e sem ajuda de um "destino" pré-traçado, viveram, sim, e da melhor maneira possível que se pode viver um homem dentro das suas limitações, mas, ao mesmo tempo, fora delas. Livres.
Thaís Dourado
O que é preciso para gostar de alguém? Creio que não seja necessariamente contato físico. Quandos as idéias batem, os pontos de vista, quando há aquela sensação de que você já conhece a pessoa há tempos, é quando se gosta.
Não há por que rejeitar sentimentos bons, mesmo que, partindo do pressuposto que podem não durar vidas, gerarão, pelo menos, boas lembranças no futuro.
Se você quer alguém, não deixe escapar, porque o pior arrependimento é o de não ter feito nada.
Não costumo postar sobre "sentimentos" por aqui, porque os considero, amiúde, superficiais, portanto, passo o assunto adiante. Mas certas vezes não se consegue evitar.
Gosto do que me surpreende, do que me fascina, não de um belo rostinho feliz de caixa de leite integral. O importante é o que a pessoa pensa, e, mais importante, SE ela pensa.
Nunca deixe que ninguém fascinante escape de ti, e nunca se deixe escapar de alguém fascinante. Você poderá estar mudando uma parte da sua vida que nem chegou conhecer para saber se, pelo menos, traria malefícios ou benefícios.
Nunca deixe escapar.
Thaís Dourado
Na varanda
Onde o ar anda depressa
Vai embora na conversa
Nossa pressa de ficar;
Na varanda
Onde a flor se arremessa
Onde o vento prega peça
Nos traz festa pelo ar

Na varanda
A criança se debruça
Mãe, menina ainda fuça
Nos cabelos a ninar;
Na varanda
Onde a lua se levanta
Nossa rede se balança
Serenata pra acordar

Joga a trança
Busca o chão e não o céu
Qual barquinho de papel
Sonha ir de encontro ao mar

E a noite vem
Sendo o descanso do sol;
E a ponte vem
Sendo a distancia de quem tá só
Um sol,
Com a cabeça na lua
A lua que gira, que gira, que gira...

E a noite vem
Sendo o descanso do sol;
E a ponte vem
Sendo a distancia de quem tá só
Um sol,
Com a cabeça na lua
A lua que gira, que gira, que girassol
Thaís Dourado
Como seria mais fácil se pudéssemos controlar nossos sentimentos, pensamentos, o que dizemos... Ninguém sairia machucado de "jogo" de apostas e incertezas que é a vida.
Não seria bom se todos viessem com um manual de instruções e um controle remoto?
Pesando bem... em geral, seria tudo muito sem graça... Certas situações servem para nos tirar da rotina, mesmo que sejam de caos.
O divertido são as oscilações de tristeza e felicidade, das quais rimos, amiúde, quando tudo acaba. Sorrisos sinceros, ou não.
Isso é que é viver!
Thaís Dourado


Divirto-me com a sua pressa,
Suas pernas finas correndo do tempo
Mesmo quando há de sobra.

Divirto-me com seu sorriso discreto, metálico
O jeito que você desconversa e olha pro lado
Achando que pode fugir desse mundo.

O jeito que você olha nos olhos,
Sentir é inevitável.
Os dias em que isso não acontece são vazios, densos
Afundam mais e mais.
[de fora para dentro]

Resta saber para onde corres,
Para onde olhas,
Por onde queres fugir.
E o que há em ti é o que interessa,
Já que eu, em plenitude, não tenho pressa.
Thaís Dourado
Maggie Taylor, Fragile,2003, Cleveland

Ingrid Michaelson - Breakable



Have you ever thought about what protects our hearts?
Just a cage of rib bones and other various parts.
So it's fairly simple to cut right through the mess,
And to stop the muscle that makes us confess.
And we are so fragile,
And our cracking bones make noise,
And we are just,
Breakable, breakable, breakable girls and boys.
You fasten my seatbelt because it is the law.
In your two ton death trap I finally saw.
A piece of love in your face that bathed me in
regret.
Then you drove me to places I'll never forget.
And we are so fragile,
And our cracking bones make noise,
And we are just,
Breakable, breakable, breakable girls and boys.
And we are so fragile,
And our cracking bones make noise,
And we are just,
Breakable, breakable, breakable girls-
Breakable, breakable, breakable girls and boys






We are really very breakable...
Thaís Dourado
Impressões erradas,
Vendo coisas onde não há,
Ouvindo vozes
No quarto,
Sonâmbulos.
O que é sombrio?

Do you really want to hurt me?