Thaís Dourado

Estavam os dois sentados na varanda, na companhia fresca de um pé-de-maracujá, cujas folhas balançavam suavemente, dançando ao som sensível do vento de verão.


- É...


- Lylja, há tempos já não temos mais o que falar... O que houve? Algo de errado comigo?


- Longe de mim, Andrew! Não tens absolutamente nada a ver com meu silêncio. Ou talvez até tenha. O fato é que não mais interesso-me em jogar ao vento palavras vazias, sem nenhuma utilidade. Cansei de apenas gastar saliva. - e atirou para algum rumo a ponta do cigarro que acabara de fumar.


- Gastar saliva? Jogar palavras ao vento? Que calúnia proferes! Nossas conversas são tão construtívas, pelo menos assim o penso. És uma das poucas pessoas com quem realmente tenho prazer em conversar.


- Me diga, amigo, para onde levas as palavras que vos digo? Que fim às dá? Nenhum! No outro dia não passam de lembranças, no máximo.


- Não! Tudo o que dizes guardo dentro de mim. Não te alegras contribuir na formação do pensamento de outrém? Não tens para ti que seja útil esse fim?


- Mentes, Andrew... - e acendeu outro cigarro.


- Não! Digo-lhe a mais pura das verdades!


- Se dizes, pois, a verdade, traz-me desvanecimento. Vejo que tu realmente entendes a finalidade do que falo. Outros não me levam a sério, deixam sair pelos ouvidos o que vos digo.


- (...) - silenciou-se Andrew e pôs-se a pensar. - Entremos e bebamos algo. - foi o único comentário que pôde fazer após a confissão da amiga.


Dentro da casa, à caminho da cozinha, Andrew reparava, como sempre o fizera, um estranho vaso remendado e brilhante em cima de uma mesa de canto de madeira sem verniz. Ele o achara excêntrico desde a primeira vez que entrara na casa de Lylja.


- Esse vaso... - comentou Andrew quebrando o silêncio que quase nunca se dava quando estavam juntos, mas, de uns tempos pra cá, amiúde acontecia.


- O que tem o vaso? Não te agradas? - retrucou Lylja?


- Remendado... É um tanto estranho que guarde tralhas em casa. Por que não atira-o ao lixo? Dê-me um cigarro.


Lylja passou o maço para o amigo.


- Estranho me é interessante. E o vaso representa algo além do que se imagina ao vê-lo. É preciso analisar...


- O que representa então? Não consigo imaginar nada que caiba à isso.


- São as pessoas realmente sábias.


- Ahn?


- Aqueles que usam suas fraquezas e quedas para crescer. Veja essa foto de quando o vaso era novo. Vês como era sem graça?


Lylja tira de uma gaveta barulhenta uma foto levemente empoeirada e mostra a Andrew.


- Com as remendas feitas à cola, o vaso tornou-se mais brilhoso e ficou com uma simetria mais agradável de se ver. Além de ter ficado mais forte fisicamente. Não achas?


- Hum... Realmente. - concordou Andrew olhando alternadamente para a foto, que mostrava o vaso cinza e liso, um tanto fosco, e para o vaso remendado brilhante e estranhamente bonito com sua superfície mosaica.


- Pessoas sábias, em momentos ruins, usam suas quedas para erguerem-se com mais força e suas feridas para reconstituirem-se com maior imunidade, tornando-se alguém novo a partir do mesmo, sem mudar em sua essência, mas mudando, simultâneamente, outras coisas em si, a alma, que é mais importante.


- Brilhante!


- Todos deveriam procurar, cada dia mais, em evoluir. - disse a garota passando uma xícara de café requentado para o amigo e pegando uma outra para si.


- Realmente... Sejamos, pois, todos vasos remendados e, portanto, sábios!


- Sim, sejamos. Agora tens de ir, Andrew. Já chega o meu irmão para levar-me ao museu. Vem conosco?


- Tudo bem, já é a hora de eu levar meu irmão ao centro mesmo. O convite está aceito, previmente, para uma próxima ocasião.


- Até.


Deixaram as xícaras num canto e caminharam juntos até a porta aberta por Lylja. Antes de sair, Andrew disse:


- Vês? Nossas conversas são tão interessantes... Não vejo o porquê do silêncio.


Lylja deu um sorriso divertido e olhou para o amigo corada:


- Vasos não falam, Andrew... Vasos não falam.


Andrew também sorriu, beijou ternamente as bochechas vermelhas de Lylja, que, após o amigo sair, fechou a porta e pôs-se deitada numa poltrona de um azul-marinho desbotado e lá permaneceu até pegar no sono.

Thaís Dourado
Uma carta selecionada para o Concurso Internacional de Cartas 2008 - Tema: Por que o mundo precisa de mais tolerância?

Goiânia, 1 de abril de 2008
Querida Babsi;
Ultimamente venho pensando muito na condição do mundo, especificamente, sobre a humanidade como um todo. Como tudo está banalizado. Os valores não são mais os mesmo, as pessoas, cada vez mais superficiais, desmerecendo as condições do seu próximo. Quanto preconceito venho presenciando!
Caríssima, essa superficialidade, esse desinteresse, o julgamento errôneo que uns fazem dos outros, tudo isso está conduzindo a humanidade para uma autodestruição. Ao que costumava-se dar valor tornou-se totalmente distorcido, tudo resumiu-se a meros pedaços de papéis azuis, amarelos... Reduziu-se a potes de creme, árvores caídas, o nosso ar, poluído, vozes que não têm dono ecoam artficialmente de dentro de um aparelho eletrônico. Distantes.
As relações entre as pessoas não passam de desinteressados "ois" e "boa tardes". As relações delas como meio onde vivem, não passam de árvores que viram dinheiro, águas limpas que viram imundos esgotos, ar puro que vira fumaça. Morte. "O homem é lobo do homem"*, vejo um mundo preso em sua rotação, os outros planetas só observam, solitários.
Babsi, talvez você pense que quem precise de tolerância seja eu mesma. Talvez você esteja certa. Ou talvez o mundo que precise de um desenvolvimento racional, porque, pra mim, acompanhar essa decadência, essa seqüência anti-horária que seguem os "homo sapiens", que, vê lá, nem são tão sapientes assim, isso, creio eu, é algo tão útil quanto contar os grãos de areia de um deserto, e faz tanto sentido quanto conversar com uma pedra. Escolho, portanto, permanecer como espectadora para ver onde isso vai parar e dizer, no final, aquele irritante "eu avisei".
É por isso, minha amiga, que, então, vejo que todos nós temos que ter tolerância conosco mesmos, tolerância quanto a nossa limitadíssima condição de seres humanos. Mas nem por isso devemos deixar que tudo continue o caos que está. Devemos revolucionar nossas mentes, Revolucionemo-nos! Afinal, nós somos o mundo!

Abraços inquietantes,
Thaís Dourado
Thaís Dourado
Destino? Não existe. Só uma colheita de tudo que se é plantado por nós. Pagamos as conseqüências dos nossos próprios atos, sejam elas boas ou ruins.
Não faz o mínimo sentido colocar a culpa em algum deus, coitado, tão cheio de coisas pra fazer e, mesmo assim, os seres humanos vivem entregando coisas em suas mãos, coisas essas que sabem, mas ignoram, que podem realmente fazer algo para mudar. Falta ação.
Cada um é dono de sua vida, tudo depende da "fé que você deposita em você". As coisas só se tornam alcançáveis se há esforço. Esforço... Algo que está em falta nas pessoas. Acomodados, um bando deles.
No fim só vai restar olhar pra trás. Ver tudo o que foi construído, destruído, reconstruído modificado. Caráter, bens, apesar de serem de suma importância, ficam para trás, são levados de nós, ou melhor, nós mesmos os deixamos, e vão, como folhas que são levadas pelo vento numa tarde cinza de outono. Alguns olharão com um arrependimento tão grande por terem apenas passado pela vida, outros se sentirão leves e felizes ao ver que, mesmo com toda dificuldade, e sem ajuda de um "destino" pré-traçado, viveram, sim, e da melhor maneira possível que se pode viver um homem dentro das suas limitações, mas, ao mesmo tempo, fora delas. Livres.