Thaís Dourado

E assim se passaram cinco anos, o marasmo diário de Lylja. E ela terminou a universidade, e não mais vira Andrew, que fora transferido para sabe-se lá onde. Lylja na verdade nunca entendeu o porquê desse desaparecimento súbito do amigo, ou qualquer coisa perto disso. "Talvez ele quisesse ficar um tempo longe para refletir" ela preferia pensar, tentando aliviar a própria dor da perda, mesclada à dúvida e à necessidade do esquecimento. Mas nunca havia passado por sua cabeça insensata de idéias mais trágicas que algo de menos sutil tenha acontecido.
Lylja era otimista, apesar de não parecer. Ela tinha os pés na realidade, sim, mas isso de forma alguma houvera impedido-a de alguma vez imaginar que seus planos tomassem o rumo que ela escolhesse, que tudo no final daria certo, como num daqueles monótonos romances americanos onde, no arremate, todos vivem "felizes para sempre”.
Aquele era mais um dia de "trabalho experimental" - assim dizem quando você corre o risco de ser demitido a qualquer momento - numa empresa que a descobrira por intermédio daquele mesmo professor de filosofia de Andrew. Era um lugar agradável e as pessoas eram, com certo esforço, simpáticas. Ela não era muito de simpatia, talvez essa tenha sido a causa de essas mesmas pessoas tornarem-se indiferentes à ela e ela à essas pessoas.
Caminhava sem pressa, chovia naquele dia, como na semana inteira, uma chuva tão fina e deliciosa que Lylja segurava seu guarda-chuvas xadrez fechado na mão esquerda. A mão direita ela hesitou em estender para chamar um táxi, queria seguir à pé, mesmo que chegasse encharcada na People and Comunication, a empresa onde trabalhava "experimentalmente". A garota grande repentinamente se encheu de uma terna alegria que, em plena avenida, tirou seus desconfortáveis sapatos altos e caminhou na calçada molhada até um lugar que tivesse grama. Chegou numa praça, sentou, olhou para cima, suspirou fundo. A chuva estava parando. Parou.
Um céu ainda nublado terminava a tarde por despejar suas últimas lágrimas de uma quinta-feira cinza. Passavam poucas pessoas, ela pensou um instante em o que lhe aconteceria por esse dia de trabalho perdido, mas logo se desligou. Abriu os olhos devagar, abaixou a cabeça e pegou um cigarro dentro da bolsa, o último do maço. Quando ela põe-no nos lábios e acende-o sem pressa com um isqueiro quase sem gás vê alguém na sua frente. Um homem de barba rala e olhos bem expressivos, mesmo atrás das lentes dos óculos de armação branca e fina, lábio e bochechas coradas: era Andrew.
_ Olá - disse ele com um sorriso amarelado de canto de boca.
Era mesmo ele, agora com um rosto mais sério, um homem mesmo. Mas Lylja ainda o reconhecia, é claro. E tinha a pequena cicatriz no queixo para ajudá-la, daquele dia em que ele quis se auto-afirmar brigando com "os caras maiores" quando ainda estavam no colegial.
_ Oi.
E uma feição um tanto quanto confusa tomou conta do seu rosto molhado. Ela levantou e olhou por um segundo eterno, assim, bem fundo nos olhos dele, e se abraçaram por uma eternidade que pareceu mesmo um segundo. Pronto, agora se reconheceram.
Lylja tinha uma porção grande de coisas para perguntar, mas preferiu deixar as perguntas para depois. Estava ali com seu melhor amigo, que ficara fora por muito tempo, ou tempo suficiente para deixá-la mais sozinha do que nunca esteve. Então eles caminharam juntos em silêncio, porque é muito bom caminhar em silêncio com outrem quando se há coisas demais a serem ditas.


Thaís Dourado

Ser humano é bem divertido. Essa "lucidez" que os outros animais não têm, essa "consciência", essa "racionalidade". Ser humano permite sermos donos do mundo - mesmo. Inventar, reinventar, escrever, apagar, lembrar, olvidar etc. Tudo isso é tão divertido e só NÓS fazemos. Pode parecer egoísmo da minha parte, mas ser humano é ser assim.

Apesar da grande vantagem em sermos humanos é estranho pensar que estamos sós nesse universo. É inevitável pensarmos na existência de seres extra-terrestres, seres de outra dimensão, não-seres, energias, mesmo sabendo o quanto escassas e pouco fundamentadas são as supostas "provas" da existência deles. Fato.

Não sei se estou ficando louca, mas às vezes olho pros lados e tudo parece uma GRANDE mentira, uma pegadinha daquelas do Faustão. Hoje você está vivo, amanhã pode não mais acordar e pronto!, acabou. Isso a não ser que tenha inventado seu "deus" e suas teorias de vida após a morte, ressureição, reencarnação. Tá aí a maior desvantagem da raça: mortalidade.

Mas, excluindo o fato inevitável que você irá morrer qualquer dia desses tão banais, existiram e ainda existem gênios capazes de honrar sermos humanos. Gênios da música, gênios da filosofia, gênios das artes plásticas, cênicas, gênios das ciências, gênios da vida, da palavra, do amor. Esses gênios, os quais invejo, sim, admito, e admiro acima de tudo dão uma esperança, uma vontade de não ser humano, ser menos um, ser bom também. É isso que nos faz melhores não melhores que os outros, mas melhores que o mínimo que podemos ser - e muita vezes somos.

Essa variação de ser e estar, essas oscilações de humor e personalidade são realmente excitantes! Você pode escolher ser bom ou ruim, fazer dos outros bons ou ruins. E viva! o livre arbítrio! As possibilidades de agora amar e em alguns minutos odiar, de reinvidicar orgulhos bobos e direitos sérios, de querer e não querer mais, assim mesmo: como uma criança birrenta. Mas bom mesmo é não ter a tal da "consciência", não se importar com o que os outros dizem ou pensam sobre o que somos ou o que queremos e quero mais! Quero continuar irresponsável, bebê birrento, quero continuar "como as outras", fazer o que der na telha, gostar de quem eu quiser, falar com quem eu quiser, não falar, me importar só com quem acho que mereça, continuar assim, "só enquanto eu respirar".

É, talvez iremos mesmo pra outra dimensão, e tomara que lá seja igualzinho aqui na Terra, só que com pessoas mais felizes, menos displicentes, se importando com o bem-estar do outro e estando bem, e com a mesma vontade de potência e genialidade escondida que todos lá traremos à tona, apesar de termos livre possibilidade de fazer tudo isso aqui mesmo. E viva o que seremos! Humanos ou não, mas em suma, GRANDES e BONS! Não opacos, mas escarlates como a estrela mais brilhante, cheios da vida que um dia não aproveitamos mas que outrora em um lugar melhor aproveitaremos arrependidos e com saudade do que não fomos e não fizemos.