Thaís Dourado
"Foi apenas um desmaio", diziam à Lylja. "Ele vai ficar bem, está tudo sob controle". Só que ela não conseguia acreditar no que eles falavam, tudo soava asquerosamente falso. Ela queria ver Andrew, perguntar diretamente à ele como estava se sentindo, se realmente tudo estava bem, se fora só um desmaio.
Quase seis horas sem notícias mais interessantes. Lylja já não conseguia mais. Ela não conseguiria sozinha, mas seu único e melhor amigo estava incapacitado de oferecer-lhe um abraço sequer. Porém ela não precisava de mais amigos, só precisava ficar com Andrew.
A garota que não acreditava em nada metafísico, pedia com todas as forças para que realmente nada de muito grave tivesse acontecido, que tudo ficasse bem, que voltasse à correr na chuva e a tomar café na varanda com Andrew ao som de um blues. Lylja queria ter ido buscar aquele café e aqueles cigarros, queria poder ter desmaiado no lugar de Andrew, queria poder ter feito algo pra impedir que o pior acontecesse. Escorreu um pouco de sangue da cabeça dele, e do nariz dela. Estaria Lylja demasiadamente preocupada com algo que poderia não ser tão fatal? Não havia ninguém para lhe dizer que sim, que ela não precisava estar tão atordoada. "Tudo vai ficar bem, tudo vai ficar bem..." sem a falsidade daqueles médicos e enfermeiras que perambulavam freneticamente pra lá e pra cá.
Pegou no sono.
Lylja acordou um pouco tonta em cima de um sofá verde-escuro um tanto quanto desconfortável. Levantou-se:
_ Onde está Andrew? Posso vê-lo?
_ Quarto 13, podes ir agora. - respondeu uma senhorazinha de um metro e meio, na qual Lylja não prestou muita atenção.
Corria procurando o quarto, esbarrou num vaso, que se espatifou no chão. Não se incomodou: havia achado o quarto. Número 13 gravado na porta branca, ela abre-a e entra pé-ante-pé no quarto. Sente cheiro de álcool. Andrew estava deitado, meio desatento, com uma feição preocupada. Olhou pra Lylja mesmo sem ouvir sequer um ruído feito por ela ou mesmo pela porta: o garoto podia sentir sua presença.
_ Vá pra casa, eu fico bem.
E Lylja, como que num gesto automático, virou-se e caminhou em direção à saída do hospital, uma vez que ela depositava toda sua confiança em Andrew e sabia que, mesmo que soasse contraditório em seu ponto de vista, o que ele dissesse à ela, estaria, em algum ângulo, certo.
Chegou na recepção e perguntou quando ele receberia alta, não souberam informar-lhe, disseram apenas que não antes de cinco dias e que o paciente não estava autorizado receber visitas que não fosse de algum (e só um) familiar e que ligariam assim que outras visitas fossem permitidas. Então Lylja pensou que, mesmo se fosse o caso, sabia que ninguém iria vê-lo, pelo menos não alguém da família, já que seu pai, com quem nunca conviveu, morava em Paris e sua mãe ele sequer chegou a conhecer. Lylja pensou em seus próprios pais, superficiais, quem ela fez questão de esquecer por motivos bem plausíveis. Eram os dois sozinhos e unidos, eram um só de metades de dois.
Lylja sai do hospital. No céu nublado, nuvens furiosas transitam no negro da noite como mar agitado e tempestuoso. Felizmente a chuva caía ainda fina e ela pôde caminhar rumo à estação para pegar o último metrô daquele dia. Acendeu um cigarro. Chegou à estação, seguiu caminho para casa. Deitou no sofá-cama e caiu num sono denso.
Os dias iam-se embora sem mesmo acontecerem. Lylja despertava meio confusa de manhã, e, quando se dava conta do que estava acontecendo, deixava que sua cabeça pesada caísse e que os olhos ainda mais pesados fizessem-na adormecer novamente. O cinzeiro já transbordava. Chovia forte.
A janela aberta, de manhã, deixa claridade morna entrar na casa com cheiro de café - a chuva dera uma trégua. Toca o telefone. Lylja acorda atordoada, atende.
_ Alô?
_ Bom dia. Falo do hospital, senhorita Müller, a fim de comunicar-lhe que o paciente Andrew já pode receber visitas. Adeus.
Imediatamente ela deixa o telefone, veste uma blusa e vai para o hospital. "Quarto 13, quarto 13...", pensa apreensiva.
No quarto 13, Andrew já sabia que a receberia e estava psicologicamente preparado para isso. Lylja entrou no quarto, aproximou-se de Andrew com os olhos marejados e abraçou-o demoradamente. Ficaram os dois entrelaçados como se nunca tivessem se separado. Um protegia o outro e estavam ambos vacinados contra qualquer perigo porque se tinham.
_ O que está acontecendo, Andrew? Eu preciso saber. - olhando fixamente nos olhos do garoto.
_ Não precisas saber, eu que preciso que saibas.
_ Diz, então.
_ Sabe, Lylja, viajei para Salzburg a fim de espairecer mesmo, respirar novos ares, crescer, tornar-me forte sem ti para proteger-te desse mundo monstruoso. Porém, fui surpreendido por algo que achei que nunca fosse acontecer comigo, principalmente naquele momento. Via aparecerem manchas permanentes vermelhas em meu corpo, além da fraqueza e falta de apetite. Para que minha viagem não fosse destruída por uma virose qualquer, fui ao médico. Diagnosticaram leucemia - ele disse assim, asperamente, parecia que já não lhe incomodava - e prolonguei minha estadia em Salzburg para dar início à quimioterapia. Quis poupar-te disso, quis continuar sendo seu porto seguro, seu amigo para qualquer momento. Não um fraco doente, sem condições nenhuma de proteger a si mesmo, quanto mais ao outros.
Lylja estava pálida, seu coração batia muito rápido, suava frio. Seus olhos em Andrew, a princípio fixos, agora estavam trêmulos, e toda a auto-suficiência, força e independência que Lylja parecia possuir, haviam fugido para algum lugar longe, haviam fugido para sua medula óssea.
_ Você vai morrer? - perguntou inocente.
_ Sim. Eu e você, e tudo o que é vivo. Não se preocupe, estou fazendo o tratamento, tudo vai ficar bem, minha menina. Eu vou ficar bem com você.
_ O que esse desmaio quis dizer?
_ Quis te deixar mais perto de mim. - sorriu ternamente o garoto.
Lylja deu um suspiro confundido com alívio e preocupação. Abraçou Andrew, e assim esperavam permanecer durante todo esse efêmero ciclo apelidado de vida.