Thaís Dourado
A claridade suave que penetrava as partes meio rasgadas das cortinas do apartamento fez Christian acordar. Colocou os pés sob o chão meio gelado, calçou meias listradas e caminhou até a pequena geladeira em um canto do cômodo. Alcançou a última das maçãs, uma cerveja e foi para a janela olhar para alguma coisa – qualquer coisa – que não fosse o teto sobre a cama com algumas rachaduras que pareciam desenhar o mapa da Alemanha.
Uma garota com um vestido bege, de barra rendada, cabelos pretos compridos até a cintura passava na rua àquela hora. Olhou para a janela do prédio à direita e viu um rapaz diferente... Os dois fitaram-se até que ela virou a esquina. Por impulso, Christian desceu descompassado até a rua e andou atrás da garota, que continuava caminhando à sua vista.
Parou na frente da moça e ficou olhando bem dentro dos seus olhos, sentindo um estranho conforto no peito que, de certa forma, até incomodava.
_ Como você se chama¿
_ Sophia.
Aqueles olhos grandes, pretos como os cabelos, fitavam-no tão firmemente, parecia que Sophia conseguia enxergar-lhe a alma. “Uma invasão de privacidade”, Christian pensava, sentiu raiva da menina, até que ela levantou a sobrancelha e deu um sorriso. Foi quando ele se desmanchou. Era ela, tinha certeza!
Ela quem¿ Não sabia, só sabia que era. Não fazia idéia de onde vinha, para onde ia naquele momento, o que fazia: nada, mas sabia que era ela. Era Sophia de algum jeito para algum fim certamente incerto.
_Sou Christian.
_Christian é um belo nome.
Ela beijou-o no rosto, ele, vorazmente deu-lhe um beijo na boca, cheio de desejo e de uma súbita paixão. Pegou-a pela cintura enquanto ela retribuía e ficava na ponta dos pés para alcançar os lábios do garoto.
Christian tinha essa habilidade de se apaixonar o tempo todo. Ele amava as mulheres e conseguia enxergar e valorizar coisas tímidas, pouco notadas, nelas. Os olhos, o jeito de caminhar, as mãos... tudo para ele era apaixonante. Ele era quieto geralmente, mas vivia paixões densamente e se entregava mesmo (“Entrego-me cegamente ao impulso que me arrasta”, Jean Racine). Com sua última namorada ocorreu que, morreu de amores durante dois longos dias após conhecê-la, mas acabou que ficou com ela só pelo sexo – era realmente boa nisso e sabia exatamente o que fazer com tudo. Por fim, foi-se embora da antiga cidade e nem avisou a pobre (que nem era tão pobre assim, visto que, certamente, outros e numerosos caras iriam se interessar por ela e vice-versa).

Deram um longo beijo. Ele convidou-a para subir até seu apartamento e ela foi.
Sophia, garota da capital, recém-formada em filosofia, morava sozinha também naquela cidadezinha úmida. Seus pais eram historiador e geóloga, viajavam o mundo juntamente com ela quando era criança, mas a garota resolveu aquietar-se um pouco e há dois anos morava ali. Nada inocente, esperta, fria e voluptuosa, teve todos os homens que quis. 21 anos, unhas vermelhas, tatuagem fechando as costas, cílios compridos, melados de rímel e um olhar insinuante.

Subiram os dois até o terceiro andar, quarto 11, Sophia reparou o primeiro número 1 torto, achou graça e ajeitou.
Olhos de senhoras idosas em abstinência sexual curiosos: “Ainda não faz nem um mês que ele chegou já tem uma garota para levar para o quarto”. E tinha mesmo, sempre teve, sempre teria.
Entraram no apartamento, Christian foi até a pequena geladeira e deu uma cerveja para Sophia que aceitou e agradeceu, educadamente, com aquela voz macia e lasciva. Tirou da bolsa um maço de Lucky Strike:
_Posso¿
_Claro.
Retirou dois cigarros, colocou um nos lábios e ergueu o outro num gesto oferecendo-o para o garoto que aceitou e agradeceu, silenciosamente, com um sorriso branco. Foram para a janela e começaram a conversar.
Era incrível como se entendiam perfeitamente e os interesses eram praticamente os mesmos - exceto que Christian preferia Malboro, e outras coisas pouco significantes. E dessa forma, o diálogo fluiu agradavelmente até o crepúsculo acompanhado de cerveja e cigarros, depois café – e cigarros. Até que Sophia decidiu não falar mais, e Christian também.
Miraram-se silenciosamente por um bom tempo, alternaram para a paisagem da janela. Longe, flores e pássaros cantando amenamente. Uma tragada. Outra tragada. O garoto ligou o notebook e colocou para tocar baixinho My Last Days of Romance, Vanguart, enquanto devagar a sombra tomava o quarto, com as luzes mantidas apagadas cuidadosamente – e por que não estrategicamente¿
_Adoro essa música – Sophia virou-se para Christian e beijou-lhe a boca.

“The sun comes down, the flowers' dirt
The bird that sings
Is the same that surrounds you”
Ele tirou a camisa preta meio desbotada, ela o vestido e as sandálias de dedo e foram para cama embalados por Last Time I Saw You. Desabotoaram peças e tiveram um ao outro absolutamente.

E aquela não foi a última ocasião em que Christian a viu. Ele encontrou o que procurava surpreendentemente rápido, e Sophia, depois do tempo que precisava. Dessa vez, Don Juan Christian conseguiu apegar-se a alguém, a garota do mesmo modo. Até moraram juntos, trabalharam juntos, saíram, beberam, dançaram, dormiram, pegaram chuva, viajaram, não pagaram algumas contas... Por quatro anos, depois cada um seguiu seu rumo a fim de encontrar, novamente, o que procuravam. E isso inúmeras vezes na vida de cada um.
5 Responses
  1. Furacao Says:

    Gostoria que as coisas acontesses assim comigo :P


  2. kbça Says:

    mais uma vez muito beem :D


  3. Nobody Go. Says:

    muito bom, mas gosto das coisas mais longas e sem pressa (claro, que eu fico perguntando se atualizou).... sei lá
    ahahaha


  4. ana. Says:

    Bem no estilo Dourado de ser.


  5. Anônimo Says:

    Muito bom mesmo, parabéns!